segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Extinção voluntária

Man

O mundo contemporâneo já carrega em si as sementes de sua própria destruição. A civilização que agora vive e respira, despreocupada com a possibilidade de sua extinção, está com os dias contados. É uma extinção evidentemente voluntária, causada por uma patologia epidêmica crescente.

Aceitar a veracidade da existência dessa patologia é tarefa árdua. Um dos seus principais sintomas é a cegueira: o homem contemporâneo não percebe que padece de um mal corrosivo e potencialmente destrutivo para a coletividade. Seu nome é egocentrismo. Sim, tudo no mundo moderno gira em torno do “eu”, e nunca ele esteve tão forte. É politicamente incorreto admitir o egoísmo, mas é necessário. Seus desdobramentos são infinitos e perceptíveis apenas por mentes atentas e reflexivas.

O nosso mimo e ressentimento crescem a níveis incalculáveis. Uma surdez voluntariamente gradativa toma conta de nós. Aos poucos, um bando de surdos-tagarelas ambulantes tomam conta das ruas, das avenidas e do cyberespaço. Ouvir alguém é tarefa trabalhosa. Aceitar as diferenças nas concepções de mundo do outro é um ato raro. Engolir o nosso equívoco e nossas falhas é impossível: isso é uma ofensa que corrói o mais profundo da alma. Queremos apenas falar, falar e falar. Muitas vezes não temos nada a dizer, e achamos que dizemos alguma coisa.

E o que dizer senão um emaranhado de sandices? Achamo-nos inteligentes, especialistas na compreensão da complexidade da existência humana. Mas apenas relinchamos uma montanha de asneiras, um resultado de pouquíssima leitura, pouquíssima interpretação de texto e pouquíssimo ouvir. A política é um campo onde esse mal mais se manifesta. “Esquerda” e “direita” são dois conceitos vazios de sentido. A necessidade de xingar, de insultar e de desclassificar o outro esvaziaram o sentido desses complicados conceitos, e jogaram a profundidade dessas ideologias no campo da ignorância. A burrice começa a reinar absoluta.

Nossas relações com os outros tornam-se frágeis. O mundo líquido é o responsável pela sua diluição, e o motor do mundo líquido é a futilidade. Discussões idiotas e profundamente egocêntricas destroem relações dentro de famílias, amizades e casamentos. Tudo o que é sólido desmancha no mar do imediatismo. Manter relações duradouras desprende uma quantidade enorme de energia e espatifa nosso orgulho. O amor e o afeto gritam por socorro, por se afogarem nesse mar das coisas passageiras. E qualquer salva-vidas que tente trazê-los à areia do mundo é taxado de atrasado e retrógrado pelas mentes tolas.

A exigência da vida contemporânea cresce gradativamente. Queremos abraçar o mundo, transformar-nos em “super-humanos”. Por isso, prostituímos o nosso tempo, aparentemente escasso, em trabalho excessivo, cursos sobre todo o conhecimento humano acumulado desde Aristóteles e aulas de idiomas cada vez mais diversos. Movidos por uma ânsia insaciável de lucro, criamos um mercado de trabalho exigente e faminto de atributos divinos, inexistentes em seres limitados. Estar com a família, amigos, gozar de um pouco de diversão, um pouco de música, literatura e arte são tarefas de segundo plano. 

O fim se aproxima e o homem continua deitado no berço esplêndido da vida fútil e egoísta. Estamos próximos da extinção, onde estaremos presos na mísera casca de nós de nosso ego. Momento em que a vida perderá todo o sentido.