quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Desabafo de um estranho

Solidão

De fato, muitas pessoas me veem como alguém “estranho”. Ou então, já devem ter me visto assim. Notam algo de diferente em meu ser. Não. Não falo da “inteligência”, mas, de um jeito “estranho” de ser mesmo. Talvez desengonçado, talvez sem jeito, sei lá… Para os que pensam assim, digo que eu era muito mais estranho na infância.

Qualquer criança comum faz bizarrices no seu período de infância. Gostam de se divertir, ou de transformar a vida dos mais velhos em um verdadeiro inferno (falo de crianças terríveis). Suas diversões variam. Muitos brincam de bola, muitas de boneca, ou daquelas brincadeiras antigas, mesmo que as crianças de hoje prefiram tablets e todo o tipo de eletrônicos. Eu também me diverti na minha infância, mas, eram diversões estranhas. Amava quando colocavam a máquina de lavar para centrifugar, por exemplo, porque era fascinado por coisas girando. Ficava todo o período de centrifugação em frente daquela coisa. Ou então, pegava qualquer objeto de forma circular, rodava-o em uma velocidade extrema no chão, e ficava mexendo meus braços e minha cabeça de uma forma completamente estranha. Criava meus próprios brinquedos através de transformações. Para mim, um recipiente de amaciante de roupas transformava-se em uma perfeita câmera, e um tubo de cola bastão era um microfone.

Minha “inteligência” também vem de tempos bem remotos… Aos 4 anos de idade, já sabia ler. Mas, lia de uma forma extraordinária. Era preso em interesses que variavam de tempos e tempos, e meu assunto nas conversas eram exatamente esses. Quando falava deles, sentia que os dominava. Talvez, era visto como um “especialista mirim”, ou algo do gênero. Também, infernalmente, viro a cabeça de uma forma desengonçada, e, muitas vezes, quero ficar sozinho.

De onde vem tanta estranheza em mim? Foram anos de consulta na APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) até descobrirem que sou portador da Síndrome de Asperger. Parece um nome estranho, mas, antes de entender o que é Asperger, é preciso lembrar da televisão. Quem assiste a série The Big Bang Theory, percebe que o personagem Sheldon Cooper é diferente. Ele também tem um jeito desengonçado de ser, nerd, anti-social e domina sua área, que é Física (tanto que é doutor em “Teoria das Cordas”). O Sheldon é portador da Síndrome de Asperger.

Na verdade, ela é uma forma leve de um problema mental gravíssimo chamado “autismo”. Autistas verdadeiros são pessoas que convivem em seu próprio mundo, muitas vezes não ligando para o mundo exterior. Mas, Aspies (portadores da Síndrome de Asperger) têm grandes diferenças em relação aos autistas.

Aspies são pessoas destacadas em qualquer ambiente. Isso porque demonstram uma inteligência espetacularmente rara. São pessoas com extrema capacidade de aprender, principalmente coisas relacionadas à área de exatas, e podem demonstrar essa capacidade quando explica essas matérias, por exemplo. Geralmente possuem um interesse restrito em uma área específica (o meu é Computação) e tornam esse interesse seu principal foco, tanto em estudo quando em conversas. Um aspie pode muito bem chegar em uma pessoa e falar: “Olha, você sabia que a linguagem C é uma das primeiras linguagens de programação, e que ela é responsável por boa parte da execução dos grandes sistemas operacionais como o Linux?”

Também podem demonstrar movimentos estranhamente desajeitados, que, no meu caso, é virar a cabeça. Isso, às vezes, é um inferno pra mim. É a coisa que mais me faz parecer estranho. Mesmo assim, a grande dificuldade do portador de Síndrome de Asperger é a relação com as pessoas. Geralmente, são isolados, e, algumas vezes, não possuem amigos (o que não é o meu caso, por mais que, às vezes, eu tenha vontade de passar longos momentos sozinho). Conviver com as pessoas, muitas vezes, é um desafio. Não são muito criativos para conversas. Muitos aspies, por causa desse isolamento extremo, são condenados à passarem uma vida inteira em uma constante solidão. Mesmo nas conversas, os aspies não conseguem manter seu rosto fixo em seu interlocutor: têm uma extrema dificuldade de olhar nos olhos das pessoas. Como o Sheldon Cooper, podem conversar utilizando uma linguagem bastante “acadêmica”.

Estes são apenas sintomas básicos de um problema que muitos possuem. Mas, a cura de um aspie vem com o tempo. Cientificamente, a Síndrome de Asperger é incurável. Mas, com a ajuda de amigos e pessoas próximas, e também de sua própria vontade de vencer, um aspie pode tornar-se um vencedor.

Sinceramente, acredito que estou vencendo a Síndrome de Asperger aos poucos. Começando a me relacionar com o mundo, por exemplo. Sei que ela não vai sair inteiramente do meu cérebro, mas, o costume com ela existe. Não somente isso, mas, no fundo, também existe a vontade de conhecer um mundo que, provavelmente, quer acolher-me.

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